Xande canta Caetano

Uma pessoa genial talvez seja alguém que consiga revelar a obviedade de uma ideia. Ou seja, essa pessoa é capaz de elaborar uma ideia que, assim que revelada, parece óbvia a todos. Ela foi a primeira a chegar lá, através de trabalho duro ou lampejos da inspiração. Na maior parte das vezes, os tais gênios conseguem uma combinação das duas coisas, apesar de isso não ser uma regra. Exemplifico com uma genialidade: o pagodeiro Xande de Pilares, ex-vocalista do grupo Revelação, gravou um álbum só com músicas de autoria de Caetano Veloso. “Xande canta Caetano” é um álbum tão inesperado que, ao ouvi-lo, é impossível não se perguntar como alguém não tinha pensado naquilo antes. Tão óbvio que precisávamos disso, um pagode de primeira qualidade com a poesia linda e profunda do nosso maior compositor e poeta, o irmão de Maria Bethânia.

A complexidade da poesia de Caetano se instala na levada simples que caracteriza o pagode e, através de arranjos impecáveis cuja execução remete ao mais sofisticado do samba, se alimentam uma à outra e trazem à luz algo inteiramente novo. Inesperado e óbvio, como tudo o que nos comove diante do intelecto humano.

Vi na internet esses dias o vídeo em que Caetano chora, aos prantos, ao ouvir a gravação de “Gente” pela primeira vez. Esse momento, capturado de maneira caseira num celular, foi provavelmente um dos maiores acontecimentos de toda a crônica da música brasileira. Caetano sabe coisas demais para não saber também o tamanho desse trabalho. E ainda nem falei da voz de Xande em suas belíssimas interpretações. Uma voz capaz de dar peso a nada menos que à obra-prima “Luz do sol”, por exemplo, de maneira que só podemos chamar de definitiva.

Fica aí uma dica de som para embalar o feriado de vocês!

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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