Esperando Godot

Ontem fomos ao Teatro Oficina Uzyna Uzona conferir a montagem de Esperando Godot, que ficará em cartaz até 19 de junho. Foi uma enxurrada sensorial sem igual. A começar pelo teatro, projeto de Lina Bo Bardi e Edson Elito. Um espaço inspirado e inspirador, tão distante quanto possível dos auditórios a que estamos acostumados (assistimos ao espetáculo do alto, em bancos sustentados por andaimes, e os atores emergem de alçapões sob o palco) e tão apropriado à encenação da peça de Beckett em particular, já que sua arquitetura se utiliza de uma árvore cujo galho se projeta para dentro do teatro – Esperando Godot sabidamente tem como cenário apenas uma árvore e uma lua eventual.

Aproveitei a oportunidade para ler o clássico de Beckett, originalmente publicado em 1949, na Paris do pós-guerra. A história é simples: dois homens, Vladimir e Estragon, estão em uma estrada esperando outro homem, o tal Godot, chegar. No entanto, ao invés de Godot, chegam Pozzo e seu servo Lucky. Duas vezes – a peça em dois atos se desdobra como um espelho insano e contraria as narrativas convencionais com começo, meio e fim.

Os diálogos absurdos empreendidos pelos personagens preenchem as linhas simples do enredo com vigor e ritmo, vertiginosa repetição, negação da memória, poesia metafísica, digamos (apesar de Beckett aparentemente ter sempre negado essas tentativas de interpretações), e picos altíssimos de lucidez quanto à condição humana, sempre absurda diante de um escrutínio mais detido. Os dois clowns maltrapilhos, através de sua loucura, nos colocam na posição de estarmos também esperando por Godot, seja ele quem for. (E que experiência incrível vê-los encarnados por Alexandre Borges e Marcelo Drummond. A leitura da peça, nessa bonita edição em capa dura da Companhia das Letras, se enriqueceu muito quando dei a eles o rosto e a voz desses dois grandes atores.)

Ao fim da peça, Zé Celso apareceu no palco para conversar com a plateia. Falou sobre esperar, esperança. E mandou a real: esse presidente que nos governa hoje, tão parecido com o grotesco Pozzo-Bozzo, já não é mais o presidente. Ele está apenas cumprindo tabela. A frente democrática já venceu. Não vamos mais esperar, vamos agir.

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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