Czesław Miłosz foi contemporâneo de Wisława Szymborska, tendo nascido doze anos antes, em 1911; os dois acabaram ganhando o Nobel por sua produção poética com 16 anos de diferença: ele, em 1980, ela, em 1996. Tiveram vidas longas: ele morreu aos 93 anos; ela, aos 88 (e a longevidade como requisito para o Prêmio parece de fato verificável nos dois casos). Há bastante coisa em comum na experiência de crescer em um continente em guerra, mas na poesia de Miłosz isso está presente de maneira mais constante e mais dramática. Pelo menos é o que o painel composto e traduzido por Marcelo Paiva de Souza nesta seleta evidencia. Há também muita sabedoria e constantes momentos de extrema beleza, como fica claro nos versos grifados aqui – que podem inclusive ser usados como um mantra:
Segue aqui também meu poema preferido na coletânea inteira, publicado em 1986:
Mas os livros
Mas os livros estarão nas estantes, seres verdadeiros,
Que surgiram certa vez, úmidos ainda,
Como castanhas lustrosas sob a árvore no outono,
E tocados, acarinhados, perduraram,
Apesar dos lampejos no horizonte, dos castelos voando pelo ar,
Das tribos em marcha, dos planetas em movimento.
Somos –– diziam, mesmo quando suas páginas eram arrancadas
Ou suas letras lambidas pela chama ávida.
Ó quão mais duráveis do que nós, cujo calor precário
Se extingue junto com a memória, dissipa, morre.
Imagino a terra quando eu não existir mais
E nada, nenhuma perda, o mesmo estranho espetáculo,
Os vestidos das mulheres, o jasmim molhado, a canção no vale.
Mas os livros estarão nas estantes, bem-nascidos,
De estirpe humana, embora também da claridade, da altura.