Longa pétala de mar

Quando estivemos no Chile, em junho de 2019, o mais recente lançamento de Isabel Allende, Largo pétalo de mar, estava sendo divulgado com força total em todas as muitas livrarias que visitamos. Lembro que esse fato chamou nossa atenção, porque não é comum que, no Brasil, as livrarias divulguem como o carro chefe de suas vendas um lançamento de um autor nacional contemporâneo. No entanto, no Chile, Allende é uma pop star.

Acabamos não comprando o livro lá (por motivos de pesos chilenos não são tão vantajosos assim, e também porque teríamos que desistir de umas duas calças para trazer mais livros, como já falamos aqui  e aqui), então tivemos que esperar a chegada da edição em português ao Brasil. Finalmente, no primeiro dia de 2020, adquirimos um exemplar desse belo romance de Isabel Allende – que aliás, na minha opinião, pode estar construindo o caminho para mais um Nobel chileno daqui uns 10 anos.

Longa pétala de mar é uma ficção histórica que narra a guerra civil espanhola – entre  nacionalistas, defensores de Francisco Franco (mas eu chamo mesmo é de fascista, porque é esse o nome) e republicanos, uma união de setores democráticos e de esquerda que formou a Frente Popular – ocorrida de 1936 a 1939. Com a derrota dos republicanos e a ascensão da ditadura do general Franco, a perseguição ao “fantasma do comunismo” seguiu mais forte do que nunca – e legitimada pelo governo, claro. 

No meio de toda essa perseguição e tortura, Pablo Neruda – sim, ele mesmo, o poeta que confessa que viveu (uma resposta idiota a uma pergunta inexistente, segundo Bolaño) -, que na época ocupava o cargo de diplomata chileno na França, freta um navio, o Winnipeg, para que mais de 2 mil espanhóis fugissem da ditadura franquista e pudessem recomeçar sua história no Chile. No livro, Allende conta que Neruda recebeu ordens do governo chileno para que trouxesse para a América do Sul apenas aqueles profissionais qualificados que pudessem contribuir para o progresso do Chile… Nada desses filósofos, leitores e pensadores comunistas. Obviamente, os que embarcaram no Winnipeg eram justamente os comunistas, socialistas e anarquistas.

As personagens que acompanhamos de perto ao longo da história são o médico Víctor Dalmau e a pianista Roser Bruguera. Os dois são os únicos da família que conseguem sair da Espanha e passam a viver nessa “longa pétala de mar”. No entanto, em 1973, os dois se veem desterrados novamente, com o golpe militar que tomou conta do Chile. Por conta de seu histórico de relações com Salvador Allende, Víctor e Roser precisam fugir para a Venezuela (um antro da democracia latino-americana na época – quem diria, não é?). O sentimento de expatriação é muito explorado por Isabel Allende e fica evidente nessa obra em especial, mas está presente em maior ou menor medida em todas as suas obras, até porque a própria autora foi refugiada na Venezuela durante a ditadura militar chilena.

Apesar de ficção, a história de Víctor Dalmau e Roses Bruguera é com base em fatos reais, e mais especificamente, na história de Víctor Pey (a quem o livro é dedicado), um engenheiro espanhol que embarcou no Winnipeg rumo ao Chile e posteriormente – com o golpe militar – também teve que deixar esta que passou a ser sua pátria. Vítor Pey morreu seis dias antes de Isabel Allende enviar a ele o manuscrito final de Largo pétalo de mar. Cabe então a nós, leitores, mantermos na memória mundial as atrocidades cometidas por governos autoritários em todo o mundo – o franquismo na Espanha, nazismo e fascismo na Alemanha e Itália, tantos golpes militares nos países da América Latina – para que essas histórias não se repitam. 

Sou graduada em Letras e mestranda em Linguística (Unicamp) - Sociolinguística, mais especificamente. Sou professora de português e inglês, flamenguista nascida e criada em Campinas (SP), que adora fazer mala e viajar, mas odeia desfazer. Capricorniana… até demais.

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