La Chascona

Quando decidimos que o destino dessas férias seria Santiago do Chile, já começamos a pensar nas leituras que faríamos: Gabriela Mistral, Isabel Allende, Roberto Bolaño e, claro, Pablo Neruda. Além de levar ⅓ da bagagem em livros, acabamos comprando mais vários lá (umas das experiências mais prazerosas que um comprador compulsivo de livros leitor pode ter), e quase que tivemos que deixar umas roupas no hotel para caber tudo. Dentre as coisas legais que compramos, tem um box com toda a poesia do Neruda (de quem, confessamos aqui, antes dessa viagem, só tínhamos lido O coração amarelo numa edição da L&PM pocket).

Compramos a obra completa desse autor na lojinha de um de seus museus (são três no total: um em Santiago – La Chascona, um em Valparaíso – La Sebastiana, e um em Isla Negra), e ela vem em um box bem lindinho com 7 livros por 33.000 pesos (o que equivale a cerca de 200 reais).

Além de ficar mundialmente conhecido pela máxima honraria do Prêmio Nobel de Literatura que ganhou em 1971, Pablo Neruda também foi um grande símbolo da resistência ao golpe militar de 1973, que instaurou uma cruel ditadura de 17 anos no Chile. O então presidente, Salvador Allende, foi deposto em 11 de setembro de 1973 pelos militares, e logo em seguida, La Chascona foi alvo de vandalismo por parte dos militares, justamente devido a oposição de Neruda e sua esposa, Matilde Urrutia, à ditadura militar.

Pablo Neruda encomendou a construção da casa em 1953, e a ideia inicial era construir apenas dois cômodos nesse terreno onde passa um canal de água que brota do topo do cerro San Cristóbal. A construção deveria ser pequena e discreta, já que a moradora seria a amante de Neruda, Matilde Urrutia, que em 1955 se torna esposa do poeta, depois que ele se separou da sua segunda esposa. Durante a visita à casa (e mesmo nos prefácios das obras de Neruda) o pessoal tenta romantizar as traições, como se o poeta tivesse algum tipo de licença para isso. A real é que isso não é muito da nossa conta, porque não cabe a nós julgarmos as vidas pessoais dos outros, é mais uma reflexão mesmo: os poetas têm “permissão” para transgredir um modelo de relacionamento a dois (que pelo que temos acesso, foi decidido por ambas as partes que seria apenas a dois mesmo)?

Fato é que a partir de 1955, quando Neruda e Matilde passaram a compartilhar a La Chascona, a casa começou a se expandir de um jeito bastante peculiar: Neruda sonhava com os cômodos da casa e, ao acordar, mandava construí-los. Com isso, a casa se tornou uma colagem de diversos ambientes pequenos e apertados, com decorações, materiais e estilos completamente diferentes, com dois elementos em comum: a profusão de cores (Neruda fazia questão de comprar taças coloridas, por exemplo, porque assim até a água teria cor) e a vegetação ligando tudo.

Mesmo depois de toda a destruição da casa, Matilde fez questão que o corpo de Neruda fosse velado lá, como um símbolo de resistência à recém instaurada ditadura militar (inclusive, o enterro do poeta foi o primeiro ato de repúdio popular à ação militar, confirmando Neruda como uma poderosa figura contrária à ditadura). Depois, Matilde se empenhou na reconstrução da casa, na luta contra a ditadura e na criação da Fundação Pablo Neruda, responsável por manter as três casas-museu do poeta e propagar a obra e o legado do vencedor do Prêmio Nobel, além de funcionar como um reduto das letras e das artes chilenas.

A gente fica sabendo de toda a história de La Chascona durante o tour pela casa-museu. A visita é feita por áudio-guias (em português, inglês, espanhol, francês ou alemão) que nos guiam por alguns dos cômodos compartilhados por Neruda e Matilde. Apesar de interessante e bastante informativa, a visita é meio engessada, já que você tem que seguir à risca a ordem do áudio-guia. De todo modo, foi incrível conhecer um pouco mais da vida de Neruda e Matilde, e estar nessa casa, símbolo da resistência contra um período tão tenebroso na história do Chile e da América Latina.

Informações para visita:
La Chascona fica aberta de terça a domingo, das 10h às 18h (de março a dezembro) e das 10h às 19h (em janeiro e fevereiro). A entrada custa 7.000 pesos (pouco mais de 40 reais) por pessoa, mas estudantes com a carteira internacional de estudante pagam 2.500 pesos (perto de 15 reais).


Sou graduada em Letras e mestranda em Linguística (Unicamp) - Sociolinguística, mais especificamente. Sou professora de português e inglês, flamenguista nascida e criada em Campinas (SP), que adora fazer mala e viajar, mas odeia desfazer. Capricorniana… até demais.

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