Algumas histórias são tecidas de maneira tão hábil que conseguem capturar, muito além das movimentações dos personagens na trama fictícia, alguma verdade fundamental sobre a vida.
Torto arado, fenômeno literário em um país em que fenômenos literários são raros, é uma dessas obras que podem ser lidas e compreendidas em vários planos. Como ficção, as trajetórias de Bibiana e Belonísia funcionam no envolvimento do leitor em níveis fundamentais e até quantificáveis: quem lê gosta e recomenda, e o livro foi simplesmente o mais vendido no mercado brasileiro nestes últimos dois anos. Como relato de um Brasil profundo, intocado pelas preocupações e necessidades da classe média urbana, provoca reflexões que se mostram ainda mais relevantes quando descobrimos que Itamar Vieira Junior é geógrafo, servidor público do INCRA, e trabalha diretamente com a questão da reforma agrária no país.
A poesia das vozes narrativas (que são três, uma para cada parte do livro) é simples e bonita. O uso de vocabulário específico ao trato com a terra traz a natureza para perto do leitor de maneira irresistível. Não a natureza de gramados e trilhas por cachoeiras, claro, mas aquela de aridez intransigente que só a sabedoria humana mais primordial consegue domar e transformar em alimento para o corpo.
Itamar Vieira Junior assume também os riscos de encarnar protagonistas mulheres, em primeira pessoa, mas tudo é feito de maneira tão delicada que o que poderia ser um defeito de pretensão acaba sendo na verdade um mérito de execução.
Enfim, um trabalho lindo.
