Haicais tropicais

Poucos tercetos reunidos nestes Haicais tropicais, de 2018, são de fato haicais, a não ser que se adote uma definição bem elástica do gênero, uma que desconsidere a tradição tanto do ponto de vista temático quanto formal. Entendo os desafios de transplantar o haicai para uma realidade tropical em que se fala português, e aceito as limitações inevitáveis de que são vítimas os meus próprios tercetos. No entanto, acho que a brincadeira contida no jogo silábico proposto por Bashō, o pai da tradição consolidada a partir do século XVII, se perde quando usamos tantas sílabas quanto necessárias. É a mesma lógica de propor um alexandrino de nove sílabas, ou juntar umas redondilhas e chamá-las de soneto. Até por isso Kerouac sugeriu o nome “Pops americanos” ao “haikus” que escrevia obsessivamente. Jogar truco conferindo valores aleatórios à carta 3 não é exatamente jogar truco, o ponto é este.

O seguinte terceto, por exemplo, do imenso Manoel de Barros:

O silêncio
está úmido
de aves

É lindo, mas dificilmente um haicai. Está mais para um genuíno “manoeleto” ou algo assim.

De qualquer maneira, há várias imagens belas entre os tercetos, então talvez a essência maior do haicai esteja presente no conjunto como um todo. Há, é claro, vários poemas mais fiéis à tradição, como este de Eunice Arruda:

Árvore de inverno
Sem as folhas, sem os frutos
Seu nome é raiz

Contando com nomes como Alice Ruiz S, Mario Quintana e Paulo Mendes Campos, Haicais tropicais é um panorama interessante da produção poética no Brasil. Ao final de cada seleção, há uma minibiografia de cada poeta, o que enriquece muito a leitura.

Para um estudo introdutório da arte do “haikai” (conforme grifado por Paulo Franchetti e Elza Taeko Doi), com uma coletânea bilíngue de textos clássicos, sugerimos o livro Haikai – Antologia e história, pela Editora da Unicamp (foto 2). Há também uma bonita edição do livro de viagens de Matsuo Bashō, pela editora Escrituras (foto 3).

Foto 2
Foto 3
Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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