O que é o romance? De que maneira e quando ele ganha corpo e toma forma? Ele está morto, decadente ou mais vivo do que nunca? É a partir dessas ponderações que Julián Fuks, crítico literário e autor de A ocupação e A resistência, tenta mapear o percurso dessa ideia paradoxal, fixa e fugidia, que familiarmente chamamos de romance. Usando prólogos e prefácios, correspondências, depoimentos e anedotas, o escritor paulistano empreende uma investigação fascinante em 180 páginas que li de uma sentada só.
Apesar de curto, o livro evita atalhos. No primeiro capítulo, por exemplo, em que Fuks ensaia uma delimitação, não recebemos aquela definição formal do gênero que aprendemos na escola, didaticamente relativa à extensão da obra, mas sim um caminho mais “filosófico”, digamos, talvez até propositalmente vago, já que o objeto de investigação também o é. “O romance é a um só tempo o impulso atemporal de narrar e a expressão imediata do presente”, afirma Fuks. “É onívoro e inclusivo e guarda em si, como potência, todas as possibilidades realizadas e irrealizadas de sua matéria, mas o romance não é tudo em literatura, e nem toda narrativa é romance, por mais que queira se confundir com ele.” (p. 13) Faz sentido, claro, mas muitas dessas linhas delimitadoras serviriam também para contornar outros gêneros literários (substitua a palavra “romance” por “conto” nas frases acima, por exemplo, e elas continuam verdadeiras). De qualquer maneira, isso só comprova o que Fuks declara já de saída: o romance é um objeto elusivo.
As ciências humanas em geral e as artes em particular se ocupam de digressões epistemológicas de maneira excessiva com muita frequência. Talvez não possa mesmo ser diferente, mas, ao cursar antropologia, por exemplo, passei anos visitando os grandes pensadores do campo em seus escritos sobre o que é a antropologia, qual seu objeto, e, principalmente, o que a distingue das disciplinas fronteiriças. Às vezes, os aparatos teóricos mais específicos parecem ter sido nada mais que incidentais, pois sempre foi inevitável que retornássemos ao ponto de partida, como se ainda devêssemos à comunidade científica um press release final, um selo de legitimidade ou algo assim. No entanto, não podemos esquecer que os acadêmicos de hoje são os herdeiros dos escolásticos medievais. Por isso, entendo que exista uma dor agradável em andar em círculos ao redor do romance, sem jamais morder a carne suculenta e tentadora de uma definição rigidamente elaborada.
Partindo de Daniel Defoe e seu Robinson Crusoé como fundador do romance (Quixote seria um precursor do gênero, já que é anterior à modernidade), Fuks percorre a tradição europeia através de Stendhal (a quem considera o fundador do realismo moderno) e passa por Goethe, Balzac, Flaubert, Joyce, Dostoiévski, Tolstói e outros, sempre postulando que cada romance tem os pés fincados no presente, um olho no passado e outro no futuro: é produto de seu tempo, tritura o que veio antes mas se alimenta de tradições, propõe algo novo. É na dinâmica de afirmação e negação que o romance se renova e é dessa dinâmica que ele se alimenta.
A História contada por Fuks é mais uma longa reflexão que de fato uma História: quase não há indicações de datas (a não ser o ano do nascimento de W. G. Sebald, por alguma razão) e os saltos e retrocessos na linha do tempo apenas nos pedem que os sigamos sem objeção. Um excelente texto, Romance – História de uma ideia é uma abordagem apaixonada de um tema apaixonante.