Cidade da vitória

Cidade da Vitória é algo como um Game of Thrones hindu que se desenrola em Macondo. Com sabor de fábula, de alegoria, de gesta e de mito fundador, é narrado por uma imaginação ilimitada em detalhes exuberantes. O épico escrito pela rainha mágica Pampa Kampana, recontado por um narrador anônimo quatro séculos depois, é inegavelmente uma bela realização literária e um testemunho do poder da história e da palavra.

O mais novo trabalho de Salman Rushdie – como a boa arte faz com tanta frequência – nos oferece ainda outra camada: o episódio que rodeia sua publicação. Em agosto de 2022, Rushdie, que mora nos EUA há décadas, sofreu um atentado um pouco antes de iniciar uma palestra em Nova York. Um homem subiu ao palco e o esfaqueou inúmeras vezes, causando graves ferimentos que quase o levaram à morte.

Rushdie tem sobre si, há mais de trinta anos, uma pena capital decretada no Irã, por conta da obra Versos satânicos, considerada blasfema pelos lunáticos religiosos que matam em nome de um Deus imaginário. Assim, não é exatamente surpreendente que algum maluco tenha tentado executar a ordem divina.

Fato é que Rushdie sobreviveu. Perdeu a visão de um olho e ficou à beira da morte, mas voltou para contar. Pouco antes do atentado, ele havia entregue ao seu editor os originais de Cidade de vitória, que só foi de fato publicado após o trágico evento.

É fantástico que Rushdie tenha sobrevivido para divulgar seu novo livro e acompanhar sua repercussão. Toda essa história é quase como uma fábula em si mesma, encerrando lições sobre o ofício da escrita, a liberdade de expressão e o fundamentalismo religioso.

Mais um belo volume colocado no mercado brasileiro pela Companhia das Letras.

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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