Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível

Nos dez anos em que estrelou Friends, o peso de Matthew Perry variou de 58 a 102 quilos. “Dá para acompanhar a trajetória da minha dependência química pelo meu peso entre as temporadas. Quando estou mais pesado, era álcool; quando estou magro, eram remédios. Quando estou com um cavanhaque, era muitos remédios”. Apesar de Perry nunca explicar o porquê de um cavanhaque exatamente, ele expõe o que significam “muitos remédios”: ao fim da terceira temporada de Friends, o ator chegava a consumir 55 comprimidos de Vicodin por dia.

Nas décadas em que lutou contra Aquela Coisa Terrível, sua dependência química, Matthew Perry tomava, entre outras coisas, metadona, oxicodona, Xanax, cocaína e um litro de vodca por dia. Passou por mais de 65 desintoxicações, 17 internações, 14 cirurgias. Chegou a ficar em coma por duas semanas, depois que seu intestino estourou devido ao abuso de opioides. Acompanhar suas memórias foi uma experiência surpreendente e dolorosa. Como fã de Friends, eu sabia que Perry tinha problemas com a bebida e acompanhei as mudanças na sua aparência no decorrer da série, mas nunca tinha percebido a seriedade da batalha que ele travou por anos a fio diante dos nossos olhos, enquanto dava vida ao sempre perspicaz Chandler Bing. “Eu estava morando na reabilitação quando Monica e Chandler se casaram. Foi no dia 17 de maio de 2001.”

Claro que tudo isso pode nos levar a julgamentos, tanto morais (provavelmente nenhuma doença sofre o julgamento moral dispensado à dependência química) quanto de toda a cultura de celebridades que oferece aos milionários que chegam ao topo da carreira no entretenimento americano uma variedade tão luxuosa de centros de reabilitação que faz com que o abuso de drogas se assemelhe a um lifestyle. Porém, o fato de que Matthew Perry sobreviveu para contar suas experiências com os limites dos corpo humano é aquele tipo de improbabilidade científica que muitas pessoas costumam chamar de milagre. É impossível não se assustar com o torvelinho que o tragou, e igualmente impossível não se sensibilizar diante da sinceridade com que parece escrever suas memórias.

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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