De acordo com Fernando Henrique Cardoso, “falta ao Brasil a convicção profunda de que a lei conta”. O ex-presidente também afirma sobre a política na América Latina: “Não é esquerda, é populismo: o líder falando diretamente com as massas, sem o intermédio das instituições.” Estas e outras máximas compõem o perfil de FHC, que abre essa coletânea de reportagens especiais da piauí. A reportagem foi escrita por João Moreira Salles e originalmente publicada em 2007, um tempo hoje tão distante que, ao reler esse belo livro lançado em 2010, é possível sentir nostalgia de um momento mais inocente e otimista na história da nossa nação, quando ainda não dominavam a nossa política a direita visceral e a liderança neopentecostal obscurantista. Moreira Salles acompanha FHC por aeroportos, aulas, palestras e eventos sociais para ex-estadistas, captando com sua caneta cirúrgica as nuances desse homem que, sociólogo e acadêmico, atuou no Ministério da Fazenda e arquitetou a estabilização da moeda brasileira, se alavancando a dois mandatos presidenciais que legaram inegáveis progressos ao país e abriram caminhos para os anos milagrosos de Lula.
Ao perfil de FHC, seguem-se o de José Dirceu, Francenildo Costa (o caseiro que derrubou Palocci, nos tempos em que corrupção ainda escandalizava o eleitor), Dilma Rousseff. Sobre Dilma, por exemplo, Luiz Maklouf Carvalho descobre que, nos tenebrosos relatórios da ditadura, ela mereceu epítetos tais quais “Joana D’arc da subversão”, “papisa da subversão”, “criminosa política” e “figura feminina de expressão tristemente notável”, o que certamente dá a dimensão do envolvimento na luta e da coragem dessa que foi a primeira mulher presidente do Brasil e que do cargo foi retirada pelos ratos imorais que votaram em nome de torturadores e de Deus.
Uma coisa muito surpreendente é que, apesar de a qualidade dos textos de fato atestarem sua longevidade, nesses últimos dez anos tanta coisa mudou que, provavelmente, nos idos de 2010, ninguém diria que José Serra e Marina Silva seriam tão irrelevantes no cenário político quanto o finado Márcio Thomaz Bastos – todos os três também radiografados pelas penas de Luiz Maklouf e Daniela Carvalho.
De qualquer maneira, pela perspectiva de quem está inserido no pandemônio ideológico que virou o Brasil depois que um obscuro deputado raivoso e improdutivo galgou por pura sorte os degraus que o levaram à presidência, é inevitável concluir que a política era – pasmem – muito melhor anos atrás, quando a gente não discutia se tortura era algo aceitável ou não.