Haicais tropicais

Poucos tercetos reunidos nestes Haicais tropicais, de 2018, são de fato haicais, a não ser que se adote uma definição bem elástica do gênero, uma que desconsidere a tradição tanto do ponto de vista temático quanto formal. Entendo os desafios de transplantar o haicai para uma realidade tropical em que se fala português, e...

Livro de haicais – Jack Kerouac

Não é fácil escrever um haicai tradicional. A estreiteza silábica (são apenas dezessete sílabas, em três versos no esquema 5-7-5) precisa necessariamente contrastar com a vastidão de imagens e sentidos evocados no poema. Além disso, há toda uma tradição no cultivo da forma e os grandes mestres dos haicai seguem prescrições muito específicas. Um...

Miami

“Passar um tempo em Miami é adquirir certa fluência em dissonância cognitiva”, afirma Joan Didion no nono capítulo deste livro que nos leva a uma camada diferente daquela famosa Miami da superfície, a do veraneio de endinheirados. A tal dissonância começa pelo idioma: ao andar pela cidade, não é difícil perceber que a maioria...

Lolita

Que difícil escrever sobre este livro. Como recomendá-lo, sendo um livro horroroso? No entanto, como não recomendá-lo, já que é um dos pontos mais altos da literatura universal? Vladimir Nabokov, cujos nove primeiros romances foram escritos em russo, escreveu Lolita em inglês, entre 1950 e 1953, e só conseguiu publicá-lo em 1955. Nenhuma editora...

Notes from a small island

“Notes from a small island” é um livro de viagens escrito no estilo inimitável de Bryson no ápice do seu fio cômico (eu diria até que algumas piadas ficariam sem lugar no livro, caso ele tivesse sido publicado agora ao invés de em 1995). Em visita à Grã-Bretanha, o jornalista americano viaja por toda...

Escrever é muito perigoso

Para a ganhadora do Nobel Olga Tokarczuk, escrever é muito perigoso. Também é difícil, excêntrico, intuitivo, mediúnico, essencial e uma atividade da qual ela basicamente não gosta. Nesta coletânea de ensaios e palestras, organizada pela autora durante a pandemia, é possível vislumbrar a imensidão de sua cultura literária, a profundidade de sua sensibilidade humanista...

Atlas – Borges e María Kodama

Todas as vezes que li Atlas, um livro de viagens muito borgeano em que cada pequena impressão sobre um país ou uma cidade ultrapassa, em sua vastidão filosófica, a extensão dos breves escritos e a mera geografia dos lugares, me emocionei tanto que cheguei às páginas finais aos prantos. O último dos textos, de...

Autobiografia do vermelho

“Tudo o que a linguagem pode registrar é o lento retorno ao esquecimento.” (p. 130) Romance picaresco, poema épico, guia de viagem, diário, autobiografia, álbum de fotografias sem fotografias, escrito divinatório baseado em antigos fragmentos recuperados: em Autobiografia do vermelho, as barreiras de gênero são borradas assim como um vulcão borra os limites entre...

Moby Dick

Por ocasião da publicação de Moby Dick, em 1851, Evert Duyckinck escreve um artigo em que afirma que, em termos de História Natural, o que Herman Melville nos oferece sobre as baleias se assemelha, “em geografia, ao que Colombo nos revelou com a América.” Afirma o editor estadunidense: “Nada desse porte havia sido escrito...