Escrito ao longo dos anos de 2005 e 2006 e publicado em 2007, composto na prosa límpida e tranquila que caracteriza Haruki Murakami, Do que eu falo quando eu falo de corrida é um bom manual da vida. Digo isso porque há algo de inspirador em acompanhar a rotina de alguém que, além de escrever romances, corre dez quilômetros por dia e se arrisca em maratonas, ultramaratonas e triatlo. E, de acordo com o que dizem por aí, aos 74 anos de idade o autor segue correndo e escrevendo. Suas reflexões sobre o tempo e o envelhecimento também são simples e verdadeiras. Sobre seus motivos para se exercitar, por exemplo: “Um dos privilégios concedidos àqueles que evitaram morrer jovens é o direito abençoado de ficarem velhos. A honra do declínio físico está esperando, e você precisa de acostumar com essa realidade.”
O mais interessante, no entanto, é a maneira como Murakami entrelaça sua vida de corredor e sua vida de romancista. Tanto para o atleta quanto para o artista, “a barreira que divide a confiança salutar do orgulho prejudicial é muito fina.” Além disso, para ele, os atributos de um bom corredor e de um bom escritor são os mesmos: talento, concentração e perseverança.
Vale a pena ler essas memórias da escrita e do corpo para aprender mais tanto sobre a escrita quanto sobre o corpo. A certa altura do livro, diz Murakami: “A maior parte do que sei sobre escrever, aprendi correndo todos os dias. São lições práticas, físicas. Até onde posso me forçar? Quanto descanso é apropriado – e quanto é demais? Até onde posso levar alguma coisa e ainda assim mantê-la decente e consistente? Quando uma coisa se torna tacanha e inflexível? Quanta consciência do mundo exterior devo ter, e quanto devo me concentrar em meu próprio mundo interior? Em que medida devo ter confiança em minhas capacidades, e quando devo começar a duvidar de mim mesmo? Sei que se eu não tivesse me tornado um corredor de longa distância quando me tornei romancista, minha obra teria sido vastamente diferente.”