“Mesmo derrubada pelo vento e pisoteada por muitos, a grama sempre se reergue” 🌱
Essa é a metáfora – um tanto otimista demais, talvez – que Keum Suk Gendry-Kim escolheu para contar a história da vovó Ok-sun Lee, que foi usada como “mulher de conforto” de 1942, quando tinha só 15 anos, até o fim da Segunda Guerra Mundial.
O termo oficial “mulheres de conforto do Exército Japonês” revela camadas de patriarcado sobre as quais estão baseadas as sociedades envolvidas na Segunda Guerra Sino-Japonesa, na Segunda Guerra Mundial e na Guerra da Coreia – há relatos de que os Estados Unidos continuaram a prática depois que ocuparam o território japonês no pós-guerra.
Pelo que as imagens e documentos históricos indicam, é possível afirmar que todos os países que tiveram colonização japonesa também tiveram “casas” e “mulheres de conforto”. São mulheres de nacionalidades diferentes (principalmente coreanas, mas também chinesas, filipinas, vietnamitas e algumas japonesas) que eram compradas ou levadas à força para servirem como escravas sexuais para os soldados japoneses.
Além do foco no caso das mulheres coreanas, o recorte de classe social é muito bem trabalhado pela autora, e vemos que falsas promessas como acesso à escola e comida levaram muitas mulheres a essa situação de extremo sofrimento.
A autora também é precisa em apontar como atualmente esse crime ainda está sem solução. Depois de muitos anos de pressão, Japão e Coreia do Sul assinaram um acordo e o Japão pagou uma “multa”, mas nunca assumiu publicamente a culpa, ou se retratou. Outro problema – e mais uma consequência do patriarcado – é a repatriação dessas mulheres. Muitas foram levadas como escravas para a China durante a guerra e, ao voltarem para a Coreia, são recebidas com hostilidade pelos homens de suas famílias, por serem consideradas “sujas” ou “indignas”.
O belíssimo traço dos painéis em nanquim contribui com força para o doloroso testemunho de Ok-sun Lee. Apesar de ser baseado nas memórias dessa vovó, esse livro é sobre as memórias coletivas e a vida de muitas mulheres
É uma leitura dura e pesada, mas foi muito importante, ainda mais ao terminar com uma pontinha de esperança – essas mulheres vivem hoje em Casas de Partilha, nos arredores de Seul, e em muitas entrevistas já afirmaram que enquanto viverem, vão lutar para que esse episódio seja conhecido, para que não seja repetido.