Originalmente publicado em 1979, em alemão (Die Unendliche Gestchichte), essa fantasia imortal de Michael Ende voltou a mim através do tempo (e da Estante Virtual). Achei essa ediçãozinha clássica da Martins Fontes em um sebo de Goiânia e ontem ela chegou pelo correio depois de uns dias de expectativa e ansiedade.
Um dos primeiros livros longos (392 páginas) que li na vida, A história sem fim é provavelmente um dos maiores responsáveis pela minha incurável paixão por livros até hoje. Lembro de retirar a mesma cópia da biblioteca da escola com certa frequência, pois era completamente fascinada pela aventura de Bastian Baltasar Bux e Atreiú em busca da salvação para o reino de Fantasia, contada em letras vermelhas e verdes em capítulos encabeçados por belas ilustrações.
Reler esse pequeno tesouro me trouxe uma onda de nostalgia que me deixou seriamente emocionada. Bastian, o garoto desajeitado e triste que entra sem querer na loja do alfarrabista Karl Konrad Koreander, tem onze anos, a mesma idade que eu tinha quando descobri esse livro – assim como Bastian descobre o misterioso volume com capa cor de cobre.
Houve um momento mágico demais para ser descrito aqui, mas o que aconteceu foi que eu, à beira dos meus 34 anos, reencontrei um velho amigo e ele continuava a ser criança. Empregos errados, perdas irreparáveis e dores do percurso: Bastian esteve imune a tudo isso enquanto eu envelhecia (nada mais mágico que algo congelado no tempo). Duas décadas inteiras por um segundo foram suprimidas e eu revivi todas as sensações que, sem que eu percebesse, com toda a inocência que alguém de onze anos pode ter, ajudaram a formar o núcleo do que é hoje o meu repertório sentimental.
Com essas emoções vieram também algumas certezas e confirmações. A primeira delas é de que a literatura infanto-juvenil é um repositório de preciosidades em que se é possível encontrar obras com perfeita conjugação da voz narrativa sem firulas de estilo ou concessões da vaidade e enredos bem trabalhados em tours de force da imaginação. Outra certeza é a de que livros são objetos mágicos no sentido mais místico da palavra. Há telepatia no ato da escrita. Não apenas entre escritor e leitor, mas também entre pessoas separadas no tempo: hoje, estive cara a cara com a criança que eu fui. Enquanto relia a maravilha engendrada por Michael Ende, notei que, em muitos sentidos, eu não mudei em nada. De alguma maneira, ainda posso me ver sentada com um livro no colo, como Bastian, num dia frio e chuvoso, em colchões de ginástica no sótão da escola vazia, enrolada em umas mantas improvisadas, esquecida do mundo e totalmente imersa na felicidade que só um livro traz.