Sophia de Mello Breyner Andresen

Sophia foi uma das maiores expoentes da poesia portuguesa do século XX. Além desse gênero, escreveu também peças, contos e livros infantis e traduziu grandes clássicos como Shakespeare e Dante. Foi a primeira portuguesa a receber o Prêmio Camões, em 1999, (a primeira mulher condecorada com o prêmio foi Rachel de Queiroz, em 1993 – inclusive, temos post sobre O quinze aqui) e a única escritora em língua portuguesa que recebeu (em 2003) o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana.

Em sua poesia, vemos ressaltada sua proximidade com mitologia – a grega, em especial:

O Minotauro
[…]
Devastada era eu própria como a cidade em ruína
Que ninguém reconstruiu
Mas no sol dos meus pátios vazios
A fúria reina intacta
E penetra comigo no interior do mar
Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos
E reconhecem o abismo pedra a pedra anémona a anémona flor a flor

E o mar de Creta por dentro é todo azul
Oferenda incrível de primordial alegria
Onde o sombrio Minotauro navega
[…]

Além dos símbolos gregos muito presentes na escrita de Sophia, uma imagem que logo chama atenção, primeiro pela sua força e também pela recorrência, é o mar:

Liberdade
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade

Fundo do mar
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram espaços.

Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.

Politicamente, Sophia constantemente se colocou do lado da sensatez: se posicionou contra e denunciou o regime ditatorial de Salazar, foi membro fundadora da Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos e, após a queda do regime salazarista, foi eleita para a Assembleia Constituinte no Partido Socialista:

Nestes últimos tempos
Nestes últimos tempos é certo a esquerda fez erros
Caiu em desmandos confusões praticou injustiças

Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação das coisas que a direita pratica?

Que diremos do lixo do seu luxo – de seu
Viscoso gozo da nata da vida – que diremos
De sua feroz ganância e fria possessão?

Que diremos de sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
E do utilitário uso dos seus ócios?

Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos
De suas fintas labirintos e contextos?

Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez
Desfigurou as linhas do seu rosto

Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação da vida que a direita pratica?

Julho de 1976

Sou graduada em Letras e mestranda em Linguística (Unicamp) - Sociolinguística, mais especificamente. Sou professora de português e inglês, flamenguista nascida e criada em Campinas (SP), que adora fazer mala e viajar, mas odeia desfazer. Capricorniana… até demais.

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