To kill a mockingbird

“You never really understand a person until you consider things from his point of view… Until you climb inside of his skin and walk around in it.” (p. 33)

Lançado em 1960, To kill a mockingbird (no Brasil, O sol é para todos) é narrado na voz de Jean-Louise Finch, uma menina de seis anos que, durante a Grande Depressão americana, testemunha grandes agitações na pequena cidade de Maycomb, Alabama. Apesar de o sotaque e a cadência impressos na voz de Jean-Louise – a pequena Scout – serem grandes triunfos e o fino tecido de que o livro é feito, é no enredo simples porém engenhoso que a escritora deixa material para reflexão a todas as gerações de americanos que vieram desde então. 

O advogado Atticus Finch, pai de Scout, é levado pelas circunstâncias a defender um homem negro acusado de um crime que, ao que tudo indica, não cometeu. Ao justapor no centro de sua história os juízos ponderados do letrado Atticus à irracionalidade ressentida dos Ewell, Scout nos leva, a partir do seu ponto de vista, a uma leitura das dinâmicas sociais daquele povoado, principalmente no que diz respeito ao racismo – essa praga que ainda infecta grande parte das populações americanas, com especial incidência em certas parcelas desse nosso subeducado povo brasileiro.   

Em alguns momentos da história, devido à grande repercussão do julgamento, Scout e seu irmão Jem são agredidos na escola. As outras crianças, como sempre, reproduzindo lições aprendidas de seus pais, se aliam para chamar a família Finch de “nigger-lovers”, ou seja, “adoradores de pretos” (a palavra “nigger”, no inglês, tem um peso equivalente ao termo “preto”, usado em ofensas racistas aqui no Brasil; na tradução de Beatriz Horta para a José Olympio, o termo escolhido é “admiradores de pretos”). Esses momentos de racismo aberto e declarado podem nos parecer tão distantes no tempo hoje, mas não podemos nos esquecer de como eram as leis segregacionistas nos Estados Unidos na época em que a história se passa e de que maneira essas leis ecoam no presente. Além disso, não podemos fechar os olhos para o fato de que, ainda hoje, no caso particular do Brasil, o racismo se manifesta de maneiras veladas e venenosas, quando não abertamente declaradas: o nosso povo escolheu pra presidente da república um homem que diz que seus filhos não se apaixonariam por uma negra porque foram muito bem educados.

A obra de Harper Lee, ganhadora do Pulitzer, além de contar com momentos hilários que brotam da imaginação e da inocência de sua pequena protagonista, é também um protesto poderoso contra o obscurantismo. Sessenta anos depois de seu lançamento, To kill a mockingbird continua sendo um ponto alto da literatura e um exercício de empatia: cada vez mais, é urgente que sejamos menos como Bob Ewell e mais como Atticus Finch.

Obs.: O livro virou um bonito filme com Gregory Peck. O filme estava disponível na Netflix Brasil até pouco tempo atrás; por alguma razão, a Netflix parece ficar retirando de catálogo tudo o que a gente decide assistir em algum momento da vida. 

Obs. 2: Harper Lee era uma grande amiga de Truman Capote, autor de In cold blood e Breakfast at Tiffany’s. Ela é interpretada por Katherine Keener no filme sobre a vida do escritor (encarnado de maneira brilhante por Philip Seymour Hoffman). Não preciso nem dizer que esse filme também foi retirado do catálogo da Netflix recentemente. 

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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