Fique comigo

Ayòbámi Adébáyò foi uma das participantes da mesa sobre literatura e política na programação principal da 17ª edição da Flip 2019 (a mesa contou também com a participação de Ayelet Gundar-Goshen, autora israelense, e a mediação de Lilia Schwarcz, rainha de tudo, que carrega a cultura brasileira nas costas). 

Adébáyò é uma jovem escritora nigeriana (tem só 31 anos a menina!) e seu romance de estreia, Fique comigo, chegou ao Brasil em 2018, primeiro na caixinha Inéditos para os assinantes da TAG experiências literárias, e depois para o público em geral, com a Harper Collins.

Lembro que, ao receber esse livro pela TAG, fiquei muito curiosa, já que ainda não tinha ouvido falar de Adébáyò (que inclusive foi colega de classe da maravilhosa Chimamanda Ngozi Adichie – autora dos romances Hibisco Roxo, Meio sol amarelo e Americanah -, e aluna da incrível Margaret Atwood – autora de O conto da aia e Vulgo Grace). Como estava num período de ler várias obras de literaturas africanas, comecei a leitura de Fique comigo no mesmo dia, e acabei terminando no dia seguinte. 

A escrita de Adébáyò é cativante e a temática do livro é bastante convidativa, então é impossível largar até saber o que aconteceu com as personagens Yejide e Akin, recém casados que vivem na Nigéria de 1980 – 1990, em meio a um contexto histórico bastante turbulento (marcado por um breve período democrático pós independência – em 1960 – seguido de uma sucessão de golpes militares e criação de juntas militares para governar o país) e estão passando por momentos turbulentos em seu casamento também.

O paralelo entre o contexto político e social nigeriano e o casamento de Yejide e Akin está na tensão entre as relações. A união de Yejide e Akin está por um fio porque ela parece ser incapaz de gerar um filho para Akin. Há uma forte pressão da sociedade no que diz respeito a ser pessoa de “de sucesso” – ou seja, ter filhos, de preferência homens, fortes e saudáveis – e essa pressão é principalmente sobre a mulher, já que, se o esperado filho não vem, a culpa só pode ser da mulher, não é mesmo? (fica claro que essa questão é realmente presente, especialmente na cultura igbo, quando, além de Adébáyò, dois grandes escritores nigerianos também tratam disso em suas obras: Things fall apart, de Chinua Achebe e Meio sol amarelo, de Chimamanda Ngozi Adichie).

Yejide parece estar condenada pelos deuses, já que, na cultura igbo, há uma forte crença na existência de ogbanjes, crianças que são amaldiçoadas pelos espíritos e morrem nos primeiros momentos de vida, mas não satisfeitas, voltam ao mundo dos vivos nos corpos de outras crianças, e morrem de novo. Esse ciclo só tem fim quando um ancião faz um enterro apropriado e realiza os ritos igbo. Então, a mãe de Akin decide que seu filho deve ter uma segunda esposa, alguém que seja capaz de lhe dar um filho. É nesse momento que o casamento de Yejide e Akin começa a desmoronar.

É na relação entre o contexto íntimo das personagens e o contexto político do país que Adébáyò constrói sua narrativa, que aborda de maneira sensata temas como o papel da mulher na cultura igbo, o patriarcado e a definição de família.

Na Flip 2019, Adébáyò falou sobre essa complexa relação entre política e literatura: “Nunca é tão simples a relação entre política e literatura”, e continua, “O processo político é importante, mas secundário. Todas as consequências sempre pairam sobre pessoas, indivíduos, o elo mais fraco.”

Ayòbámi Adébáyò, cujo romance de estreia esteve na lista de melhores livros de 2017 no The New York Times e no The Guardian, é uma jovem autora que ousa questionar paradigmas do feminino, da maternidade e da família em sociedades modernas e provinciais (como a nigeriana e a brasileira). A alta aceitação do público e seu sucesso mundial dão sinais de que as pessoas estão pelo menos (re)pensando essas questões.

Também é possível ouvir o áudio completo da mesa composta por Ayòbámi Adébáyò, Ayelet Gundar-Goshen e Lilia Schwarcz no youtube: áudio original | áudio em português

A foto é do nosso parceiro Caio Lima, do Rede de Intrigas
https://www.rededeintrigas.com/
@rededeintrigas

Sou graduada em Letras e mestranda em Linguística (Unicamp) - Sociolinguística, mais especificamente. Sou professora de português e inglês, flamenguista nascida e criada em Campinas (SP), que adora fazer mala e viajar, mas odeia desfazer. Capricorniana… até demais.

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