A América e os americanos

“O jornalismo de Steinbeck é o registro de um homem que queria fazer a coisa certa, que queria ver com clareza e exatidão, sem soberba — e sem jamais afirmar que sua visão era a definitiva, ou sequer uma visão completamente exata.” (Introdução à edição brasileira de A América e os americanos e ensaios selecionados, página 17)

Achei este belo volume na última vez que estive na Livraria da Vila do shopping Galleria (antes de ela fechar para dar lugar a uma Riachuelo, o que foi uma das grandes tristezas da minha vida) e comprei porque tinha recém-relido Of mice and men e começado a pensar sobre John Steinbeck de novo. Californiano, icônico, célebre testemunha da Grande Depressão e autor de uma obra expressiva que lhe rendeu um Nobel em 1962, Steinbeck figura entre os grandes nomes da literatura americana por motivos que me ficaram bem claros depois de ler este livro de ensaios.

A primeira dessas razões é, simplesmente, a qualidade do texto. Cristalino e fluido (o que me faz lembrar que Steinbeck dizia que escrever é difícil, que jamais escreveu com facilidade; isso atesta o tanto de trabalho aplicado em cada linha, já que a leitura parece tão fácil), ainda que traduzido para o português, o texto de Steinbeck tem um sabor que só um nobelizado seria capaz de produzir (e não que eu seja paga pau de honrarias mundanas, mas é que pra ganhar um Nobel de literatura o cara tem que provar, repetidas vezes, que domina o seu craft; então, acho inegável que o Nobel seja uma grande recomendação). À qualidade da escrita junta-se a seleção de temas de um homem excepcionalmente sensível e atento às demandas de seu tempo (há, no final de A América e os americanos — último livro de não-ficção publicado em vida por Steinbeck — um texto sobre o racismo nos Estados Unidos que poderia perfeitamente ter sido escrito ontem; o livro foi publicado em 1966).

Steinbeck, no curso de sua carreira como jornalista e como colaborador de inúmeros periódicos, escreveu sobre amigos, família, infância, literatura, a guerra, cachorros, política e uma infinidade de outros assuntos. Sempre com originalidade em sua abordagem, sempre rigoroso e avesso às soluções fáceis (e talvez por isso seus textos soem tão atuais em termos de reflexão: vivemos a época das soluções fáceis, a época em que o presidente americano se pronuncia pra dizer que, se professores andassem armados, eles poderiam conter mass shootings), Steinbeck é um cara que precisa ser lido.

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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