O rei pálido

David Foster Wallace tirou a própria vida antes de finalizar esse romance estranho e estranhamente engraçado. Uma ode ao tédio, ao burocrático, aos meandros desinteressantíssimos da vida adulta, O rei pálido foi montado pelo editor Michael Pietsch, que trabalhou a partir dos manuscritos e anotações deixados pelo autor.

De certa maneira, não deixa de fazer sentido que Wallace, depois de muito tempo lutando contra a depressão, tenha se enforcado em sua casa justamente quando se via às voltas com uma obra dessas, na qual já havia investido anos de trabalho duro e cujos contornos no final das contas denunciavam a suprema loucura humana em sua busca patética por ordem e propósito.

Quem é o tal Rei Pálido? É a criatura que a todos governa a partir das salas artificialmente iluminadas das repartições públicas. É o soberano parágrafo paralisante do regulamento de 1600 páginas que ninguém lerá mas que a todos subjuga. É a Receita Federal do país mais rico do mundo em seus intrincados manuais e cargos e subdistritos. A partir de um mosaico de personagens e situações, Wallace nos apresenta a esse rei (que é também uma máquina).

A língua de Wallace, uma mistura de alto academiquês e gíria das quebradas, produz virtuosas sentenças de duzentas palavras que sempre acabam levando a um insight maravilhoso sobre uma miudeza da vida a que você jamais tinha dado atenção antes. Não é à toa que Wallace é considerado uma das maiores e mais originais vozes da literatura americana. Até seu romance inacabado é uma obra de arte a ser visitada.

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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