Não é fácil escrever um haicai tradicional. A estreiteza silábica (são apenas dezessete sílabas, em três versos no esquema 5-7-5) precisa necessariamente contrastar com a vastidão de imagens e sentidos evocados no poema. Além disso, há toda uma tradição no cultivo da forma e os grandes mestres dos haicai seguem prescrições muito específicas. Um haicai ideal faz referência a algum aspecto do mundo natural e contém: o kigo, ou referência à estação do ano, um elemento visual, um elemento de movimento e uma espécie de asserção como finalização. Ou seja, o haicai é uma forma poética singular cuja prática requer exercícios mentais que são verdadeiros quebra-cabeças, ainda mais para os que se aventuram nele fora dos potenciais sintéticos da língua japonesa.
Jack Kerouac, expoente da tal Geração Beat que floresceu nos Estados Unidos em meados do século passado, se encantou com haicais de tal forma que produziu centenas deles por toda a vida, em cadernos de anotações que depois foram organizados em livro. Sendo o Kerouac de On the road, no entanto, é lógico que não se conteria nas rigorosas diretrizes da tradição e proporia novas maneiras de flexibilizar os moldes do haicai, usando-o como uma espécie de inspiração ou ponto de partida. Kerouac institui, portanto, o que chamou de “pops” ou “haicais americanos”. Nas palavras dele: “Eu proponho que o haicai ocidental simplesmente diga muita coisa em três linhas breves em qualquer língua ocidental.” Muita gente escreveu e escreve haicais ocidentais, inclusive no Brasil. Mário Quintana e Paulo Leminski, por exemplo, têm coleções de haicais bem livres, mini-poemas de três linhas.
Muito boa esta edição bilíngue que achamos no saldão do Martins Fontes Paulista. Com tradução de Claudio Willer e iluminadora introdução de Regina Weinreich, especialista em literatura beat e organizadora do livro, a L&PM traz ao público brasileiro um texto muito interessante para quem quer se aprofundar em Kerouac ou em poesia.