Lolita

Que difícil escrever sobre este livro. Como recomendá-lo, sendo um livro horroroso? No entanto, como não recomendá-lo, já que é um dos pontos mais altos da literatura universal? Vladimir Nabokov, cujos nove primeiros romances foram escritos em russo, escreveu Lolita em inglês, entre 1950 e 1953, e só conseguiu publicá-lo em 1955. Nenhuma editora norte-americana aceitou imprimir aquela história “puramente pornográfica”, então a publicação se deu através de uma editora francesa, dois anos após a conclusão do manuscrito (a que o próprio Nabokov chamou de “bomba-relógio”).

O enredo é conhecido: um pedófilo obcecado sequestra uma menina de doze anos, após se tornar seu padrasto, para dela abusar sexualmente. O que torna Lolita um livro perturbador não é exatamente essa premissa sórdida, mas sim o nível da prosa que Nabokov produz para dar vida ao seu monstro. A qualidade do texto é o que mexe tanto com as pessoas. Nabokov pegou o tema mais abjeto que poderia ter escolhido e aplicou sua inspiração e técnica estilisticamente impecável para vestir Humbert Humbert em roupas de gala. Não podemos confiar em nada do que HH diz, mas podemos confiar que a sua voz narrativa será irresistível.

Caso Lolita tivesse saído da pena de um escritor menor, talvez fizesse parte do entulho de publicações que ninguém leu, sumido nas pilhas de brochuras descartáveis comercializadas em bancas de revista. O livro provoca reações apaixonadas há mais de meio século não por ser pornográfico, já que há tanta pornografia disponível (aliás, leiam “Big Red Son”, de David Foster Wallace, sobre a multibilionária indústria de filmes adultos) e em nenhum momento chega a ser eroticamente atraente, mas por ser habilmente hipnotizante e perturbador. Além disso, é um livro hilário. E como rir com um monstro? Quando esta pergunta for respondida a contento, Lolita será lido de um jeito bem diferente.

Obs.: Acabei de rever o filme de Adrian Lyne, de 1997, que traz um impecável Jeremy Irons no papel de Humbert Humbert (e trilha sonora de Ennio Morricone). É um bom filme. Não tão engraçado quanto o livro, já que HH tem apenas alguns trechos de narração em off, mas consegue ser fiel a muitas das qualidades impressas no texto de Nabokov. Devo dizer que, durante a leitura, não consegui evitar imaginar HH exatamente com a cara de Irons. Impossível dar outra cara a ele.

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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