Depois de mais de uma década sem lançar um romance, Chimamanda Ngozi Adichie está de volta com A contagem dos sonhos. Não tem a densidade histórica de Meio sol amarelo, nem a delicadeza íntima de Americanah mas, ainda assim, é um livro poderoso. E um livro de Chimamanda é, basicamente, leitura obrigatória. Seu estilo continua cristalino, prazeroso e, até neste exercício que não alcança as alturas de seus trabalhos anteriores, estamos diante de uma aula de narrativa.
As protagonistas, Chiamaka, Omelogor e Zikora, são mulheres complexas, ricas, independentes. Elas vivem seus amores, enfrentam dilemas, se decepcionam. Suas histórias se alternam e se entrelaçam e o foco nunca são os homens, ou melhor, não da forma que se espera. Os homens aqui são falhos, machistas, muitas vezes ridículos. Chimamanda não os poupa, e isso pode incomodar. A nossa quarta protagonista, a camareira imigrante Kadiatou, é a que atravessa as situações mais extremas e difíceis. Ao final do livro, descobrimos que foi tudo baseado em um caso real, o que adiciona uma camada a mais na nossa percepção da personagem.
Tenho a impressão de que muitos leitores homens vão se sentir atacados. Vão dizer que o livro é “fraco” ou “caricato”. Espero que esses homens sejam capazes de atravessar essa primeira reação, seguindo a voz narrativa calma e sóbria de Chimamanda, até que o espelho literário lhes revele algo que preferem não ver; talvez esse tenha sido mesmo o objetivo de Chimamanda. Mas isso é só especulação minha.