Não existe linguagem neutra!

Neste livro, publicado pela Contexto, a sociolinguista Raquel Freitag – um importante nome no debate sobre gênero na linguística – discorre sobre o papel de “gênero” na sociedade e na língua.

Como sociolinguistas, entendemos que a língua não é apenas um reflexo da sociedade, mas questões sociais e identitárias são co-construídas na/pela linguagem. Então, ao falar sobre “linguagem neutra”, diversas posições são construídas a partir desse adjetivo que qualifica a linguagem.

Com esse título polêmico (“Não existe linguagem neutra!”), o principal ponto de argumentação da autora está nas concepções da palavra “neutra”. “Linguagem neutra” é um dos termos usados (e o que ficou mais popular) para falar de uma linguagem que não use o masculino como o “não-marcado”, e inclui construções como “todos e todas”, ou outros artifícios como x ou @ (todxs, tod@as). Esse tipo de construção visa dar materialidade linguística a um movimento na sociedade de não binarização dos indivíduos.

No entanto, Freitag argumenta que o uso de “neutro” é impreciso – e não-científico – na medida em que a ambiguidade da palavra (aquilo que não é marcado ou aquilo que não é ideológico) – resulta em imprecisão, senso comum, e debates acalorados. Assim, falar de “linguagem neutra” não é nem um pouco neutro; nem para aqueles que defendem a inclusão de novas formas na língua, nem para aqueles que estão preocupadíssimos com a preservação desse ideal de língua padrão não variável). Pelo contrário, escolher uma das formas (o masculino genérico ou alguma estratégia de linguagem inclusiva) é alinhar-se a um modo de ver gênero na sociedade.

Para construir sua argumentação, Raquel Freitag lança mão de estudos tanto das ciências sociais (nomeadamente dos movimentos feministas) quanto de estudos e conceitos linguísticos. No entanto, apesar do rigor acadêmico do livro, não é impossível de seguir a linha de raciocínio da autora, mesmo para quem não está familiarizado com uma dessas áreas do conhecimento.

Em meio a tantas imprecisões sobre o tema (o que tem de deputado sem ensino superior e sem o menor conhecimento de língua falando por aí…) e debates ideologicamente (e as vezes literalmente) acalorados, a obra é um respiro de equilíbrio intelectual e raciocínio lógico – mas não neutro! – sobre o tema.

Um vez que qualquer empreendimento que afirme ser não ideológico ou neutro, é, na verdade, dissimuladamente ideológico e carregado de valor, essa obra não é neutra, mas é feita a partir de um ponto de vista de uma pesquisadora que comprometida com uma linguagem inclusiva com relação aos gêneros das pessoas.

Sou graduada em Letras, mestra em Linguística e doutoranda em Linguística (Unicamp) - Sociolinguística, mais especificamente. Sou professora de português e inglês, flamenguista nascida e criada em Campinas (SP), que adora fazer mala e viajar, mas odeia desfazer. Capricorniana… até demais.