Nihonjin

Não sei se são os ecos das histórias que ouvi sobre esse avô que mal conheci (morreu quando eu tinha três anos e dizem que me amou com a ternura com que só se ama uma primeira neta) ou algo ainda mais profundo e inacessível, inscrito nesse microscópico infinito enrodilhado no centro de cada uma das minhas células, mas ao avançar nas primeiras páginas de Nihonjin, de Oscar Nakasato, fui imediatamente transportada para um tempo distante e de certa maneira reconhecível. Devorei o livro (141 páginas nessa bonita edição da Fósforo) em poucas horas.

Tantos povos migraram e continuarão migrando, perseguidos pela inerente carência do corpo (e uma de suas manifestações mais extremas, a guerra) ou perseguindo o fugidio horizonte das possibilidades humanas. Meu avô cruzou o mundo e veio parar numa terra que em tudo lhe deve ter parecido estranha, antípodas reais e metafóricas. Foi um salto grande: aqui estou eu, duas gerações e quase um século depois, ainda recuperando o fôlego, digerindo a jornada.

Para mim, sempre parcialmente assimilada (apesar de ter mãe branca de sobrenome Leite, alguém de traços “brasileiros”), cada página trouxe um resgate da memória de uma herança japonesa que se inscreveu no meu corpo antes mesmo de eu nascer.

Nihonjin, vencedor do Jabuti de 2012, é uma enxuta e reverberante saga familiar, um pequeno épico sobre a imigração japonesa no Brasil. A chegada de Hideo Inabata ao Brasil, seus esforços na lavoura, sua resistência à assimilação devido ao forte nacionalismo de uma colônia que demorou a entender seu novo lugar no mundo, os filhos e netos sendo cada vez menos “nihonjin”: tudo isso compõe um livro que, assim como eu, tem cara de japonês mas é profundamente brasileiro.

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).