Conversas com Isaac Asimov

Isaac Asimov é provavelmente um dos escritores mais famosos de todos os tempos. Com uma sólida reputação no gênero de ficção científica, escreveu contos, novelas e romances desde a adolescência até a velhice (morreu aos 72 anos nos Estados Unidos; apesar de ter nascido na Rússia, em 1920, se mudou para New York aos três anos de idade e foi naturalizado americano ainda criança). Através de sua ficção, inclusive, estabeleceu as três regras da robótica que até hoje guiam tanto os escritores que se aventuram nessa temática quanto os esforços tecnológicos reais de pesquisa robótica. Sua obra, no entanto, não se circunscreve a um gênero: ela possivelmente representa a mais variada e prolífica produção de um único escritor em todos os anos de literatura registrada no Ocidente. 

Vários editores já disseram que é impossível contabilizar com precisão o tamanho da obra de Asimov, mas estimativas variam entre 470 e 481 livros no total. Isso daria uma média de seis ou sete livros por ano, o que é impressionante. Contando, porém, que ele publicou seu primeiro livro em 1950, a média real é de aproximadamente um livro por mês! Não há nada que se equipare a isso, ainda mais quando consideramos as áreas pelas quais se espraiaram sua curiosidade: Asimov escreveu sobre Shakespeare, Milton, Swift e Byron. Ateu convicto, publicou também seis livros sobre a Bíblia e mais de vinte livros de história. Sem contar seu trabalho de divulgação científica: são dezenas de títulos (eu mesma tenho uma edição antiga de um livro dele sobre as origens do universo). Por isso mesmo, já foi descrito como “a coisa mais próxima de uma máquina de escrever humana” e também “um recurso nacional e uma maravilha natural”.

Asimov compõe, ao lado de Aldous Huxley e Arthur C. Clarke, a trindade da ficção científica do século XX. Seu pensamento afiado e espírito inquieto, sobretudo humanista, podem ser acessados através de seu belo legado, que também compreende as entrevistas que deixou. O livro Conversations with Isaac Asimov, organizado por Carl Friedman e publicado em 2005 pela University Press of Mississippi, traz uma amostra fascinante do pensamento e idiossincrasias desse mestre incomparável, selecionada de entrevistas para várias revistas no decorrer de quase três décadas (a primeira conversa da compilação é de 1968; a última, de 1992). Seguem abaixo alguns trechos selecionados em tradução livre:

“Há dois aspectos na ficção científica: primeiro, há o enredo, a complicação de eventos; o mesmo acontece com romances de mistério; segundo, você tem que construir uma nova sociedade, se quiser escrever uma história de ficção científica. Essa sociedade, se você fizer direito, deve ser tão interessante quanto o enredo em si. Em outras palavras, o leitor deve ficar tão ansioso para ler sobre essa sociedade e imaginá-la quanto para saber sobre o desenvolvimento da história.” (p. 27)

“Eu não vou a cerimônias religiosas judaicas, eu não sigo nenhum ritual judaico ou alguma lei dietética, nada mesmo, e ainda assim, de jeito algum eu deixo qualquer dúvida sobre o fato de que sou judeu. Eu não gosto nem um pouco do judaísmo. Eu sou contra – é uma forma particularmente perniciosa de nacionalismo, na minha opinião.” (p. 52)

“Agora, no entanto, nós revertemos a situação. A mortalidade caiu, a mortalidade infantil caiu, a expectativa de vida aumentou, e nós vamos destruir a Terra se continuarmos a nos reproduzir no ritmo atual. Então nós deveríamos tornar respeitável que as mulheres não tivessem muitos filhos.” (p. 66)

“Eu não sei se posso ser chamado de principal popularizador da ciência, porque atualmente eu acredito que, por consenso geral, o detentor desse posto é Carl Sagan. Quanto ao meu sentimento sobre analfabetismo [científico e tecnológico], eu concordo totalmente, apesar de não achar que isso seja algo novo. A população americana, na verdade a população de qualquer nação, sempre foi grandemente analfabeta, cientificamente falando; o perigo não é apenas que um número suficiente de pessoas não saiba o suficiente sobre ciência; o perigo é que, em alguns campos, a ciência é vista como inimiga.” (p. 85)

“Eu acho que privacidade, de certa maneira, é um não-problema. Privacidade é uma invenção relativamente nova. Em tempos antigos não havia privacidade. Vivia-se em quartos próximos e todo mundo sabia sobre a vida de todo mundo. Hoje, em um lugar como New York, as pessoas têm um pouco de privacidade não porque estão escondidas ou protegidas, mas porque ninguém liga. O melhor guardião da privacidade é um arranjo de vida que permita a você ser desinteressante a ponto de ninguém querer saber sobre você.” (p. 99)

“Se você tornar possível para a pessoas que elas aprendam o que elas querem aprender, no tempo que querem aprender, no lugar onde querem aprender, e na velocidade que querem aprender, então eu imagino que a educação se tornará muito mais eficiente. Nós teremos não apenas um mundo muito mais educado, mas também um mundo mais variado, em que as pessoas são mais felizes e criativas. Eu acredito que, do jeito que as escolas são desagradáveis, do jeito que o processo de aprendizado é desagradável, as pessoas são marcadas por um desgosto por aprender que dura a vida inteira. Elas preferem a ignorância.” (p. 113)

“O tipo de mundo que eu gostaria de ver é um em que a indústria é levantada, o máximo possível, da superfície da Terra e colocada no espaço. Nós poderíamos então ter aquilo com que as pessoas sonham: um mundo pastoril, livre de moinhos satânicos. Eles estariam só alguns milhares de milhas acima, e nós nos beneficiaríamos deles, enquanto eles jogariam sua poluição no espaço para ser varrida pelos ventos solares.” (p. 119)

“Se surgisse alguma evidência – científica, verificável – de que Deus existe, nós [os cientistas] não teríamos nenhuma opção a não ser aceitar esse fato. Por outro lado, os fundamentalistas não admitem a possibilidade de evidência, digamos, de que a evolução existe, porque qualquer evidência que você apresente será negada por eles, se conflitar com a palavra de seu Deus.” (p. 132)

“[Eu gosto do] processo de alargar os horizontes, de saber que há uma pequena faceta adicional do universo sobre a qual você sabe e pode pensar e pode entender. A mim me parece que quando chega a hora de morrer, e essa hora chega para todos, haverá um certo prazer em pensar que você utilizou bem a sua vida, que você aprendeu tanto quanto pôde, acumulou o máximo possível do universo, e se divertiu com isso. Quero dizer, existe apenas este universo e esta única vida para tentar entendê-lo. E, ainda que seja impensável que cada um de nós consiga mais do que uma pequena porção dele, pelo menos façamos esse pouco. Que tragédia apenas passar pelo universo e não captar nada dele.” (p. 139)

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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