Bolaño por sí mismo – Entrevistas escogidas

Resultado de uma compilação feita pelo jornalista e editor chileno Andrés Braithwaite, este Bolaño por sí mismo, de Ediciones Universidad Diego Portales, publicado originalmente em 2006, é um delicioso livro de entrevistas com um dos maiores escritores chilenos de todos os tempos (talvez o maior, eu diria, me pautando pelo meu gosto pessoal – o que Bolaño faz com as palavras é uma literatura tão fina que, da primeira vez que eu o li, fiquei completamente abalada pelo poder do texto: hipnótico e exuberante como um Foster Wallace em espanhol). Depois de ler essas entrevistas, também é possível dizer que Bolaño foi um grande conversador. Alternando entre a polidez mais política e a acidez mais corrosiva, Bolaño falava como uma máquina de escrever: até seu prosear era bonito como um parágrafo bem redigido. Seleciono aqui alguns trechos em tradução livre:

“No meu caso, a arrogância não tem nada a ver com meu trabalho. Seria completamente estúpido se assim fosse. O ato de escrever, pelo contrário, é um ato de humildade. No momento de escrever não resta espaço senão para a humildade. Antes de mim houve outros escritores que se sentaram à mesma mesa, que trabalharam com os mesmos materiais, pena, tinta, máquina de escrever, computador. Escritores enormes a quem leio e releio. Impossível sentir arrogância. Só se pode sentir medo ou humildade. Eu não sinto medo.” (p. 27)

“Para mim Borges é o maior escritor em língua espanhola do século vinte, sem a menor dúvida. O escritor total. É um grande poeta, um grande prosista, um grande ensaísta, é perfeito. Borges é uma barbaridade. Borges é Borges.” (p. 55)

“Inicialmente, para mim, viajar era essencial. A viagem, na imaginação da minha geração, era a viagem dos beatniks. E isso se prolongou muitos anos depois, inclusive quando viajei pela Europa. Mas há um momento em que tudo passa a ser o mesmo. A paisagem varia, a arquitetura varia, mas a mecânica da viagem, as revelações da viagem, começam a se repetir.” (p. 60)

“De uma outra ou outra maneira, todos estamos ancorados a um livro. Uma biblioteca é como uma metáfora do ser humano ou do melhor do ser humano, assim como um campo de concentração pode ser uma metáfora do pior. A biblioteca é a generosidade total.” (p. 68)

“O mundo está vivo e nada vivo tem remédio e essa é a nossa sorte.” (p. 79)

“A América Latina é como o manicômio da Europa. Talvez, originalmente, tenha se pensado na América Latina como o hospital da Europa, ou como o celeiro da Europa. Mas agora é o manicômio. Um manicômio selvagem, empobrecido, violento, onde, apesar do caos e da corrupção, se alguém abre bem os olhos, é possível ver a sombra do Louvre.” (p. 120)

“Todo romance, basicamente, tem que ir direto até o prazer, o prazer da leitura. A partir daí, ir até onde possa e queira.” (p. 125)

Sou cientista social e antropóloga formada pela Unicamp. Sou pós-graduada em Gestão Escolar pela USP-Esalq e sou professora/coordenadora em uma escola internacional. Tenho muitas paixões, de caderninhos de anotações a corrida de rua, de Jorge Luis Borges a RuPaul's Drag Race, de Iga Swiatek a água com gás. Sou autora de Quarto mapa (2021) e Hi-fi da tarde e haicais noturnos (2023).

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